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O peso da história: o eu, eles e nós

Conhecer a história da sua cidade ou de seu país é reconhecer a luta diária de homens e mulheres que nos trouxeram até aqui

Da Redação ·
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Imagem ilustrativa da notícia O peso da história: o eu, eles e nós
fonte: Ilustração

Dias desses conversava com uns alunos sobre a necessidade de se estudar a história, seja de nossa cidade, Estado, país, outros continentes e, é claro, da sua própria família. Recordei que um dia, conversando com meu pai e o irmão dele, meu tio, já falecido inclusive, descobri coisas maravilhosas sobre a infância daquele que eu só tinha a imagem de um homem sério e responsável, sempre trabalhando pelo sustento da família. Ora, meu pai havia sido uma criança, serelepe por sinal, vivendo em uma fazenda com outros tantos da minha família, além da minha avó e avô, outros dois casais de tios e toda uma imensidão de filhos e netos.

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Era uma fazendinha em São Paulo, lá pelos idos dos anos 1950. Soube na conversa com meu tio e meu pai, que meu avô havia, junto com os irmãos, negociado sua fazendinha por um lote de terras em uma próspera região com “terra roxa”. Quando chegaram em nossa região, próximo a Mandaguari, descobriram o golpe, não havia terra nenhuma. De “papel passado”, com pouca instrução e nenhum dinheiro, a fazendinha havia sido tomada por golpistas e agora, toda a família trabalharia como boias-frias nas colheitas do Norte do Paraná. Meu avô, Vicente Bomba, falecido quando meu pai era ainda um garoto, talvez tenha amargado essa decisão pelo resto de seus dias. Hoje, vive além das memórias, já que seu nome está presente no meu filho, João Vicente Diniz Bomba.

Depois disso, meu pai, ainda que fosse o mais novo, passou a ser o responsável pelo sustento e segurança de minha avó, que tive o prazer de conviver até os meus 8 anos, quando faleceu com seus 84 anos em 1996. Eu nunca tinha pensado nela como mãe de meu pai, mas apenas como minha avó. Sei que parece estranho, mas é porque via no meu pai a responsabilidade do homem da casa, o senhor de seu reino, com uma dedicação imensa pela família, composta por sua mãe, sua esposa, suas quatro filhas e eu, o filho esporão, o único homem da casa depois dele. Hoje, eu, como pai de família, com minha linda esposa, minhas duas filhas e meu filho, que tem o nome do bisavô, entendo melhor parte da história que me trouxe até aqui.

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A história de uma dada sociedade deve ser também assim analisada. Afinal, a história de uma cidade é também a história de todas as famílias que a compõem. Apenas em minha família posso analisar, ainda que em partes muito objetivas, a história dos trabalhadores rurais, de operários metalúrgicos, de mecânicos, das crises econômicas, dos impasses políticos e de toda uma série de fatos que os livros de história tendem a tornar impessoais e representado por números sem nomes.

Conhecer a história da sua cidade ou de seu país é reconhecer a luta diária de homens e mulheres que nos trouxeram até aqui. Muito além dos famosos nomes de pioneiros, que obviamente devem ser valorizados e preservados, existem homens e mulheres que ficaram esquecidos, ainda que não menos importantes. Afinal o nome da primeira serralheria entra para os anais da história junto com seu criador, mas e quanto a seus funcionários? A história é antes de mais nada, um discurso sobre o passado. Se ninguém narrar, ela desaparece em uma ou duas gerações. Ouça os mais velhos, respeite as diferenças, aprenda com eles.

Um país ou uma cidade sem memória tende a repetir os mesmos erros. A história recente sempre é mais fácil de conceber, ainda que o mundo digital tenha dado voz a inescrupulosos produtores de notícias falsas, as famosas fake News. Daí a importância da crítica ao discurso, da análise e de sua verificação. Aí entra em cena o historiador e suas ferramentas. Eu não preciso ter vivido a Idade Média para poder escrever sobre ela, para isso existem fontes e documentos, além do preparo necessário que a técnica historiográfica nos permite. Ora, porque seria diferente de uma análise dos últimos 60 ou 50 anos? Ainda que meu pai tenha vivido naquele período, a sua rotina de trabalho incansável (que tanto me orgulho) não o permitiria ver e acompanhar, por exemplo, todas as discussões políticas do período da Ditadura. Ele não mente, ele realmente não sabia de nada, assim como a maioria, pois a censura não permitia que tais fatos chegassem aos mais distantes das fileiras de movimentos sociais e sindicais.

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Entretanto, as inúmeras realidades existiam, basta saber como discuti-las. Discutir meus amigos e amigas é bem diferente de “brigar”. Em ano de eleição a coisa piora e muito. Que possamos ao menos entender o lado do outro, se contrariados, tentar mostrar com dados e fontes aquilo que pensamos, mas nunca, jamais e em hipótese alguma nos fecharmos ao debate e ao diálogo.  

A história não é nunca foi inimiga, ao menos não daqueles que a tentam distorcer para seus interesses. O peso da história recai sobre os que dela furtam a verdade, assim como aqueles que o hoje o fazem e no futuro terão o seu quinhão. Leiam, ouçam (e muito), observem e tentem compreender o presente como uma consequência de um passado não tão distante. Poderia eu ser hoje um fazendeiro de São Paulo, mas a história me trouxe para um outro caminho, que em nada me decepciona. O orgulho não é dos bens adquiridos, mas são das histórias de superação e de um esforço que foi capaz de manter unida uma família onde sobra amor e parcerias. Se voltarmos uma geração, meu bisavô Camilo Bomba, era um imigrante italiano que com quase nada chegou no Brasil para tentar a vida. Não duvido que hoje ele estaria orgulhoso do fizemos até aqui.

Assim como minha orgulhosa família, nosso país tem uma história de lutas e resistências, de superação. Devemos compreender o passado para entender o presente e, assim, poder projetar o futuro que tanto ensejamos. Que nossas ações sejam motivo de orgulho, pois por mais que não pareça, somos todos uma grande família, filhos de muitos trabalhadores e sonhadores que deram suas vidas para que hoje possamos expressar nossas opiniões e vontades, inclusive nas redes socias. O futuro um dia será presente, quem seremos nós na história? 

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