BLOG

A despedida de um sobrevivente: foi-se Andor Stern

Um sobrevivente dos horrores do Holocausto Nazista. Stern nos deixa uma mensagem crucial: a de que o espírito de humanidade é capaz de vencer o mal

Da Redação ·
Receba notícias no seu WhatsApp!
Participe dos grupos do TNOnline
Imagem ilustrativa da notícia A despedida de um sobrevivente: foi-se Andor Stern
fonte: Reprodução Memorial Holocausto

Por Camilla Bolonhezi e Helena Ragusa

continua após publicidade

Na última quinta-feira, 07 de abril, aos 94 anos de idade nos deixava Andor Stern. Um sobrevivente dos horrores do Holocausto Nazista. Stern nos deixa uma mensagem crucial: a de que o espírito de humanidade é capaz de vencer o mal.

Nascido na cidade de São Paulo e de origem judaica, o único brasileiro sobrevivente do Holocausto, precisou ainda muito cedo mudar-se com sua família do Brasil. O primeiro destino foi a Índia, em seguida a Europa, Budapeste, na Hungria, onde viviam seus avós paternos.

continua após publicidade

Não tardou para que Stern e sua família acabassem sendo atingidos pela Segunda Guerra Mundial. Quando o país foi invadido e ocupado pelos nazistas, ali começava então o martírio da família de Stern e de milhares de judeus que lá viviam.  Andor passou a adolescência nos chamados campos de trabalho forçado, os campos de concentração para onde os judeus juntamente a outras minorias perseguidas pelos nazistas, eram enviados. O mais conhecido deles, Auschwitz, situado ao sul da Polônia, um dos mais conhecidos campos de concentração e também de extermínio, onde ficou aproximadamente um ano e de onde nunca mais voltou a ver sua mãe, seus avós, tios e tias, todas vítimas das câmeras de gás, uns dos primeiros métodos de extermínio em massa usado pelos alemães contra judeus e outras minorias.

O historiador judeu Yoseef H. Yerushalmi em um de seus escritos afirmava que “um povo esquece” as experiências do passado quando a geração detentora do mesmo não o transmite à seguinte, ou quando esta última rejeita o que recebeu ou deixa de transmiti-lo por sua vez, o que dá no mesmo. Adorn Stern parece ter compreendido “o poder do testemunho” e dedicou sua vida em transmiti-lo.

Passada a Grande Guerra, Andor Stern retornou ao Brasil, e aqui casou-se e constituiu família. Stern dedicou parte de sua vida a contar o que viveu, viu, presenciou e sentiu. Ao longo de sua história concedeu entrevistas e palestrou em diversos espaços tais como televisão, rádio, universidades, escolas, jornais e mais recentemente Podcasts. Stern fazia questão e “sentia necessidade”, dizia ele, em contar sobre tudo que viveu, escutou e presenciou.

continua após publicidade

Em um de seus testemunhos mais marcantes, descrito no livro Uma Estrela na Escuridão de Gabriel Davi Pierin, Andor Stern falou de seus sonhos, quando toda sua jornada de sofrimento veio ao fim:

“Daqui a cinco, dez anos o que eu quero? Eu queria ter um sapato que não machucasse o meu pé; se tivesse meia seria então um luxo. Desejava uma roupa limpa que não tivesse piolho e que me cobrisse para não sentir frio. E também um bolso enorme que pudesse guardar um pão para comer a hora que quisesse. Além disso, ter liberdade para determinar onde e quando quisesse ir”.  (STERN, Andor).

Stern, mais do que qualquer coisa, encarava seu testemunho como uma missão e em quase todos os seus depoimentos fazia questão de externar seu amor pela vida e pela liberdade. Em um desses momentos disse a um entrevistado, o que fazia questão de repetir:

continua após publicidade

“Talvez nunca te ocorreu isso, e essa vantagem eu levo sobre você: imagina se quiser até mostro minha cama cheirosa, de lençóis limpos, chuveiro fumegante. Sabonete, pasta de dente, escova de dente, uma toalha maravilhosa. Descendo copa e cozinha, comida à vontade. Geladeira cheia de coisa. Peguei meu carrinho, fui pelo caminho que eu quis trabalhar. Ninguém me pegou uma baioneta. Estacionei e fui recebido com calor humano. Gente eu sou um homem livre. Livre”. (Entrevista concedida a BBC NEWS Brasil. 23/01/2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q0ULzaJtuec).

E para honrá-lo mais uma vez, cremos que seu legado representa muito mais que o legado de um sobrevivente, representa a esperança de um futuro para aqueles que hoje vivem os horrores das perseguições antissemitas, do negacionismo em relação ao Holocausto e tantas outras circunstâncias de retrocessos que vivenciamos. Stern nos dá ânimo e nos mostra que o espírito de humanidade pode enfim nos levar à um lugar melhor que o que vivenciamos hoje.  

continua após publicidade

“Desses acontecimentos todos, ficaram as ideias e convicções. Sobraram-me coisas boas. Eu aprendi a perder e a comemorar as pequenas conquistas. Escolhi um estilo de vida para mim que foi excelente. Tudo que existe, tudo que é vivo pra mim é muito caro. A vida enfim. A existência. ” (STERN, Andor).

Gratidão ao querido primo Judeu Paulo Reiman por me apresentar pela primeira vez a História de Andor Stern, ainda em 2020, me presenteando com o livro de

Gabriel Pierin sobre ele. Este artigo foi escrito em parceria com a historiadora londrinense Helena Ragusa à qual é especialista em História Judaica. Agradeço imensamente pela amizade e colaboração!

PIERIN, Gabriel Davi. Uma estrela na escuridão. A Incrível história do único brasileiro sobrevivente do Holocausto. Santos: Ateliê das Palavras, 2015.

YERUSHALMI, H. Yosef. Reflexões sobre o esquecimento. In: Usos do Esquecimento: Conferências proferidas no Colóquio de Royaumont. Campinas: Editora da Unicamp, 2017.

GoogleNews

Siga o TNOnline no Google News