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Economia insustentável fez crise ambiental piorar, avalia sociólogo Enrique Leff

EDUARDO GERAQUE SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O foco exclusivo na sustentabilidade da economia, em vez de se olhar para a sustentabilidade do planeta, fez piorar a crise ambiental desde a Rio-92, segundo o sociólogo mexicano Enrique Leff, 71, um dos maiore

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 10.06.2017, 06:05:03 Editado em 10.06.2017, 06:05:04
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EDUARDO GERAQUE

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O foco exclusivo na sustentabilidade da economia, em vez de se olhar para a sustentabilidade do planeta, fez piorar a crise ambiental desde a Rio-92, segundo o sociólogo mexicano Enrique Leff, 71, um dos maiores teóricos ambientais em atividade.

"A racionalidade moderna é contra o ambiente", afirma Leff em entrevista à reportagem.

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O pesquisador esteve recentemente no Brasil, na sessão de abertura do evento "Diálogos sobre os Desafios Socioambientais Contemporâneos", realizado pelo SESC e pela USP.

Doutor em economia do desenvolvimento pela Sorbonne e professor da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Unam (Universidade Nacional Autônoma do México), Leff -que também adora cantar óperas- é conhecido mundialmente pelos seus estudos em que propõe os alicerces do que chama de "saber ambiental".

O conceito envolve não só o ambiente mas também questões sociais, éticas e culturais.

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Em suas obras, com a racionalidade ambiental defendida por ele, são constantes as críticas feitas à economia e aos modos de acúmulo de capital que não levam em consideração os limites do ambiente. Várias ideias que, como tudo no mundo acadêmico, também recebem críticas.

Decisões como a tomada na semana passada pelo presidente americano Donald Trump, de abandonar o acordo climático de Paris, só fará aumentar a crise ambiental do planeta, diz Leff.

Reportagem - Qual o balanço que pode ser feito dos problemas ambientais do planeta nos últimos 25 anos, desde a Eco-92?

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Enrique Leff - Se tenho que responder se melhorou ou se piorou, digo que piorou. Realmente, não vemos uma estabilização dos processos de deterioração ambiental no mundo. Eles estão aumentando, porque os tomadores de decisão dos altos escalões estão priorizando mais a sustentabilidade da economia e não a sustentabilidade ambiental, ética e social do planeta.

Existem projetos que, até certo ponto, compatibilizam sustentabilidade ecológica com progresso econômico. Entretanto, a prioridade mundial destes tomadores de decisão é o crescimento econômico por si. A tecnologia e a inovação tecnológica não têm mostrado capacidade suficiente de equilibrar crescimento econômico com sustentabilidade planetária.

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R. - O aquecimento global é um dos frutos deste processo?

E.L. - O aquecimento global continua gerando mais riscos e progredindo neste sentido. As economias emergentes, caso da China e da Índia, e podemos até dizer do Brasil e do México, estão presas neste mesmo modelo do paradigma econômico. A economia está crescendo, mas consumindo recursos naturais limitados.

A lógica é esgotar todos os tipos de hidrocarbonetos, até os de camadas geológicas profundas do planeta. Esses processos que estão em expansão vão gerando maior degradação entrópica [medida do grau de desordem de um sistema] em toda a Terra.

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R. - Os grandes acordos internacionais vão ser eficazes contra as mudanças climáticas?

E.L. - Não é só uma questão de consciência dos tomadores de decisão combater as mudanças climáticas. Esse processo de resistência vem de baixo para cima. Todos os governantes, com poucas exceções, talvez os do governo do Butão, estão inseridos na lógica da globalização e do crescimento econômico.

R. - Por isso a importância das questões locais é grande?

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E.L. - É no nível local que as comunidades e os povos reclamam seus direitos e constroem seus espaços vitais, suas produções, suas territorialidades como uma condição fundamental aos seus modos de existência na terra. A racionalidade moderna é absolutamente contra o ambiente. Ela está montada não sobre as condições da natureza, mas sobre as condições de exclusão da natureza.

R. - Para o senhor, a questão econômica é o entrave ao desenvolvimento sustentável?

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E.L. - É mesmo um tema muito sério, porque o motor de transformação da biosfera é a economia. Fala-se do antropoceno [tese que define uma nova era geológica onde o homem é uma figura central nas transformações do planeta], mas somos seres humanos que estão dentro dessa grande lógica do processo econômico.

Essa racionalidade moderna existe em função da economia. É um processo que vai numa expansão, transformando todos os recursos muito limitados do planeta.

R. - As ideias econômicas defendidas pelo presidente americano Donald Trump não vão a favor de uma visão mais local?

E.L. - É outro nível de discussão. Quando ele diz que vai sair dos processos de globalização, dos acordos de livre comércio e passa a defender mais os direitos nacionais ele está dentro de uma outra lógica. Pode parecer que é a mesma reclamação de quando identidades mais locais reclamam seus direitos, caso do povo catalão, do povo basco, dos povos que vivem da terra, mas claramente não é a mesma coisa. Trump e os Estados Unidos estão vendo algumas consequências que eles acreditam terem sido negativas, como uma maior liberalização econômica. Essas ações, porém, estão dentro de uma mesma lógica do mercado.

R. - Qual o impacto da decisão do presidente Trump de deixar o acordo de Paris? Agrava ainda mais a crise ambiental?

E.L. - Há um peso negativo, mas, em referência às questões ambientais, os Estados Unidos sempre estiveram mais afastados dessa solidariedade internacional. Sua decisão agora segue a tendência de os Estados Unidos manterem sua autonomia dentro desses acordos internacionais.

Não podemos deixar de acreditar que isso tem um peso no agravamento da crise ambiental, mas também deve ser dito que, mesmo que ele acreditasse na importância da questão climática, existe outro fato.

Ainda que todos os governantes quisessem baixar em 50% as emissões de gases de efeito estufa, as perguntas são: mas com qual tecnologia? Com qual lógica? Se estão todos inseridos na lógica do mercado, é este mercado que vai realmente fixar a capacidade de redução.

R. - Se a questão é a falta da racionalidade ambiental, como implementá-la na prática?

E.L. - É possível transformar as práticas concretas dos povos que vivem da terra, nas florestas e zonas rurais, e estão fazendo a reinvenção de modos de produção, conforme condições sustentáveis. É o caso dos seringueiros aqui no Brasil e de muitas outras experiências de renovação de práticas que permitem uma vida digna sem exploração dos recursos naturais além dos seus limites. Isso está ocorrendo. Mas, ao mesmo tempo, os territórios estão muitos dominados pelos interesses do capital mundial, que tentam se apropriar de toda a superfície do planeta.

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